AVISO IMPORTANTE!!!

Se você é daquelas pessoas que não suportam lugares fechados e tem medo de escuro, provavelmente vai ter pesadelos.

29 de dezembro de 2011

Despedida

DESPEDIDA

A chuva que cai,
Sobre a lápide fria,
Escorre aos meus pés,
E em mim,
Gelada agonia...

Não entendo o que passou,
Quis o destino, algo tão injusto,
Levou-te a ti minha amada,
E tão de repente,
Cobriu-me de luto...

Agora, enquanto olho teu túmulo,
O lugar de teu descanso eterno,
Enquanto a chuva fria cai,
Misturada a minhas lágrimas,
Entro no inferno...

Nunca mais teu sorriso,
Nunca mais tua ternura,
Nunca mais teus carinhos meigos,
Nem tua pele, macia,
Em sua doce alvura...

Morreu junto contigo, meu amor,
Uma parte de mim, a melhor,
Algo de mim foi contigo para a sepultura,
Somente trevas restam,
Agora estou só..
.

13 de setembro de 2011

Vazio

Trevas, sombras negras,
Enchem os espaços vazios do meu ser...
Sinto-me cheio de nada...
O frio que brota da escuridão,
Envolve minha alma atormentada.
          ... Uma luz ...
          ... Uma esperança...
          ... Vã ilusão...
          ... Ilusão de ótica...
Iludido por meus sentidos embotados,
Sou enganado por miragens.
A sede que sinto agora,
É o castigo merecido...
          ... Sozinho ...
          ... Esquecido...
          ... Enfim ...
          ... O destino desfecha seu golpe final ...
Morte, única solução...
Mas para onde irei após ignominioso ato?
Céu e Inferno têm suas portas fechadas para mim.
Não há perdição, nem consolo eterno
           ... Só há o vazio ...
           ... O silêncio ...
           ... Nem Deus, nem Demônio ...
Grito meus lamentos e queixas,
Mas para mim não há resposta...
Sozinho... no vazio escuro...

12 de agosto de 2011

Funeral

Ouço vozes...
Muitas pessoas...
Som de pássaros...
Lembranças de dias felizes...
Algo me comove...
Ouço um choro sentido...
Uma perda...
Uma sala de estar...
Crianças... Sorrisos...
Alguém recita um poema...
Algo sobre campos floridos...
Ah... Aquela música...
Quantas lembranças...
Quantas noites... Prazeres...
Camas... Corpos... Bocas...
Manhãs... Lençóis... Tristeza...
Uma partida... 
A dor... A mágoa... O rancor...
Nada aplaca...
Nem o vício...
Culpado de que?...
Agora recordo...
O amor que antes queimava...
Tornou-se féu...
Nada mais importava...
Uma tarde...
Garrafas jogadas ao redor...
Um desejo... Uma corda...
Um momento...
Mas... Onde estou?...
Um choro sentido... Um soluço abafado...
Um romper em prantos... Gritos de desespero...
Estou imóvel... Morto...
Ouço a terra batendo na tampa de meu caixão...
Desespero...
Sinto o frio da terra...
Meu corpo inerte enrijecendo...
Estou preso... Em meu corpo morto...
Grito para as trevas...
O silêncio me envolve...
Morto...

19 de junho de 2011

Adultério

A chuva caia fina sobre o cascalho recém colocado sobre a terra, ele ainda podia sentir o cheiro de terra revolvida recetemente. 
Sua mente ainda estava em agitação e suas mãos trêmulas - o que havia feito?
Ele pegou suas ferramentas e levou-as para o depósito, onde guardou-as meticulosamente. Tirou as botas e calçou seus sapatos habituais e foi em direção a casa, lançando, ao chegar a porta um olhar rápido para o pequeno retângulo oculto sob uma camada de cascalho, que só ele sabia onde ficava. Fora brilhante a idéia de usar da pista de entrada, pois ninguem jamais iria verificar aquela parte de seu quintal.
Agora que a adrenalina estava baixando em seu sangue, começou a raciocinar com clareza e compreendera que sua vida jamais seria a mesma, afinal, ele tinha assassinado a esposa.
Tudo acontecera muito rápido, em poucas horas seu mundo desabou de tal forma que, em desespero havia feito a única coisa que a ele parecera sensata, agora  já não parecia tanto. A coisa toda começou quando, por força de uma indigestão, precisou ir para casa mais cedo. Ao chegar na entrada de carros percebeu um carro estranho em frente de casa, mas não o reconheceu, imaginou que fosse algum pestador de serviços consertando algo, mas não se lembrava de ter ouvido a esposa reclamar de nada quebrado.
Quando entrou em casa, percebeu que algumas coisas estavam absurdamente erradas - um sapato no meio do corredor, mais adiante uma jaqueta de couro jogada no chão, evidenciava que algo estava realmente muito errado. Chegando ao andar de cima, encontrou outras peças de roupa no chão e entendeu o que estava acontecendo - não precisava ser mais claro.
Ele, em silêncio, dirigiu-se ao pequeno armário do corredor e tirou de lá sua faca de caça, e sabia exatamente o que ia fazer com ela. Ele sabia que esse dia chegaria desde o dia em que comemoraram um ano de casamento. Ele percebera sua ausencia em um certo momento da festa, claro que sabia o que ocorrera, compreendera no momento em que a vira, mas não demonstrara o que sabia - nada como um dia após o outro. Enfim, seu momento supremo havia chegado, e enquanto se dirigia para o quarto, seu coração dava socos em seu peito, e ele sentia cada pulsação em suas têmporas umidas, suas mãos estavam pegajosas e frias e a faca parecia viva. Mas, matá-la somente não era suficiente, ela tinha de saber porque estava morrendo.
Tudo foi muito rápido, em questão de segundos estava terminado. Ainda estvam cochilando, e tomaram um tremendo susto quando ele entrou pela porta com a faca na mão, o que facilitou, pois não hove reação por parte deles.
Um golpe certeiro abriu o pescoço do outro homem, e seu corpo caiu em estertores. A seguir ele se dirigiu para a esposa - enfim ela teria oque merecia. Quando ele se aproximou, ela tentou argumentar, mas suas palavras só aumentaram a raiva que queimava seu peito. Um único golpe atravessou o coração dela e foi suficiente. Coração por coração - afinal ela não havia partido o seu? Embrulhar os corpos em cobertore não fora difícil, o difícil foi transportá-los para baixo. Quanto ao outro, jogou-o no porta-malas do carro, o lixão da cidade teria prazer em acolher este lixo.
Em seguida, levou o corpo da esposa para um canto da garagem e deixou-o ali. À noite ele iria fazer aquilo que tinha de ser feito.
Logoao escurecer, ele certificou-se de que não havia vizinhos pelas proximidades e começou a remover o cascalho da entrada de carros. Foi fácil, o difícil seria cavar fundo o suficiente para que pudesse enterrar o corpo dela. Esse era um fim digno, ela seria pisada, assim como o espezinhara por cinco longos anos. Um sorriso malévolo flutuou em seu rosto enquanto ele media a sepultura.
O trabalho foi mais difícil do que imaginara, no início ele até conseguiu cavar a terra com uma certa facilidade, mas em certo momento o chão tornara-se duro e cheio de pedras - o aterro da entrada de carros. Quando finalmente terminou de cavar, suas mãos estavam machucadas e queimavam horrivelmente. Em pensar que iria ter de encher o buraco novamente.
Levou o corpo dela até a beirada da sepultura e rolou-o para dentro do buraco. Ouviu o baque surdo do corpo batendo no fundo da cova e isso lhe provocou um certo prazer.
Encher o buraco foi mais fácil do que imaginara, e a terra que sobrou, foi jogada no jardim que elafazia questão de cultivar e manter sempre arrumado. Enfim tudo estava acabado, e ninguem jamais suspeitaria dele, pois ele nunca comentara com ninguem sobre as aventuras de sua esposa.
Agora, depois de ter limpado todas as evidencias da sua vingança, calmamente olhava mais uma vez pela janela. A chuva estava aumentando, o que prejudicava, pois ele tinha de se livrar do corpo do amante. Decidiu fazê-lo assim que a chuva desse trégua.
Subiu calmamente os degraus que levavam ao andar de cima, e entrou no quarto agora arrumado e limpo. Deitou-se na cama e ficou olhando para o teto, sentindo o corpo ceder ao cansaço e deu-se um momento de descanso. 
Um barulho muito forte o tirou de seu cochilo e ele percebeu que dormira mais que o necessário, quando acordou já eram mais de três da manhã. Levantou-se do sofá onde estivera e esticou as costas, foia até a cozinha e pegou um copo de água, pois sua boca estava seca e sua garganta estava ardendo. Quando chegou ao corredor que dava para a saída, deixou o copo cair e o barulho de vidro quebrado soou como uma explosão no silêncio da madrugada. A porta estava escancarada. Ele tinha a certeza de te-la fechado quando voltara para dentro, mas agora ela estava aberta e isso o deixou intrigado.
Ele foi até a porta pronta para fechá-la novamente, mas no momento em que chegou a soleira, o que ele viu o paralisou completamente. O suor brtou em sua testa e em sua nuca, ele podia senti-lo escorrendo por suas costas, seus olhos, com certeza, estavam lhe pregando uma peça, aquilo era impossível. Ele recordou-se das milhares de estórias que ouvira na vida sobre o assunto, mas era estórias, ficção, nada justificava aquilo. No entanto, paralisado na soleir da porta, ele contemplava horrorizado, o recente túmulo de sua esposa completamente aberto, a terra que ele havia aplainado com tanto cuidado estava revolvida e na trilha de carros havia um buraco. 
Ele não precisava ir até lá para saber que o corpo de sua mulher não jazia mais naquele buraco. Mas como? Não havia como sobreviver aos ferimentos, quando ele a jogara na sepultura ela já tinha perdido grande parte do seu sangue, e não precisava ser um médico experiente para saber que era impossível que houvesse vida naquele corpo.
O medo, que até agora estivera sob controle, finalmente explodiu dentro dele, fazendo-o tremer ao ponto de bater os dentes. Os cabelos de sua nuca eriçaram-se e um arrepio frio desceu por sua coluna como se fosse água gelada. Ela havia saído da sepultura - não, isso era fantasioso demais, impossível. 
Quando se dispunha a sair e ir até a garagem, para ver se o amante estava realmente morto, ouvira o barulho no andar de cima. Alguém andava no quarto deles.
O medo crescia a cada segundo, mas mesmo assim ele decidiu por um fim a isso, e encaminhou-se para a escada.
Tudo foi muito rápido, em poucos instantes ele a vira no alto da escada, olhando-o com olhos sem vida e repletos de maldade. Uma dor muitoforte o fez cair de joelhos, algo o acertara no ombro esquerdo, seria ela golpeando-o com poderes sobrenaturais? Novamente a dor, mas dessa vez ele entendeu o que acontecia, não eram poderes sobrenaturais, ele estava tendo um ataque cadíaco, seu coração estava explodindo. Tudo estava escurecendo, e aúltima coisa que seus olhos viram, foi a imagem da mulher descendo as escadas, com um arremedo de sorriso malévolonos lábios, depois tudo ficou escuro.
Os jornais descreveram a cena, como algo inesperado e pavoroso.
O homem chegara em casa e vira sua mulher com outro na sua cama, matara os dois e enrolara o corpo do amante em uma lona, jogando-o na garagem para desova-lo posteriormente, dizia a manchete. Mas o que mais assustou repórteres e policiais, foi a cena encontrada na entrada da casa. O homem morto por infarte fulminante abraçado ao corpo da esposa, vestida com uma camisola toda suja. O que poderia ter acontecido ali?

17 de maio de 2011

The Cabinet of Dr Caligari



Mais um da minha infância... inesquecível!!!

The Phantom of the Opera



O Fantasma da Ópera... outro clássico!!! =)

Nosferatu



Esse é um daqueles filmes que marcaram minha infância.
Vou postar mais alguns que tenho aqui... =)

Marcão.

29 de abril de 2011

Hans Christian Andersen


A pequena Vendedora de Fósforos.

Era véspera de Natal. Fazia um frio intenso; já estava escurecendo e caía neve. Mas a despeito de todo o frio, e da neve, e da noite, que caía rapidamente, uma criança, uma menina descalça e de cabeça descoberta, vagava pelas ruas. Ela estava calçada quando saiu de casa, mas os chinelos eram muito grandes, pois eram os que a mãe usara, e escaparam-lhe dos pezinhos gelados quando atravessava correndo uma rua para fugir de dois carros que vinham em disparada. Não pôde achar um dos chinelos e o outro apanhou-o um rapazinho, que saiu correndo, gritando que aquilo ia servir de berço aos seus filhos quando os tivesse. A menina continuou a andar, agora com os pés nus e gelados. Levava no avental velhinho uma porção de pacotes de fósforos. Tinha na mão uma caixinha: não conseguira vender uma só em todo o dia, e ninguém lhe dera uma esmola — nem um só cruzeiro.
Assim, morta de fome e de frio, ia se arrastando penosamente, vencida pelo cansaço e desânimo — a imagem viva da miséria.
Os flocos de neve caíam, pesados, sobre os lindos cachos louros que lhe emolduravam graciosamente o rosto; mas a menina nem dava por isso. Via, pelas janelas das casas, as luzes que brilhavam lá dentro. Sentia-se na rua um cheiro bom de pato assado — era a véspera de Natal —; isso sim, ela não esquecia.
Achou um canto, formado pela saliência de uma casa, e acocorou-se ali, com os pés encolhidos, para abrigá-los ao calor do corpo; mas cada vez sentia mais frio. Não se animava a voltar para casa, porque não tinha vendido uma única caixinha de fósforos, e não ganhara um vintém. Era certo que levaria algumas lambadas. Além disso, em sua casa fazia tanto frio como na rua, pois só havia o abrigo do telhado, e por ele entrava uivando o vento, apesar dos trapos e das palhas com que lhe tinham tapado as enormes frestas.
Tinha as mãozinhas tão geladas… estavam duras de frio. Quem sabe se acendendo um daqueles fósforos pequeninos sentiria algum calor? Se se animasse a tirar um ao menos da caixinha, e riscá-lo na parede para acendê-lo… Ritch!. Como estalou, e faiscou, antes de pegar fogo!
Deu uma chama quente, bem clara, e parecia mesmo uma vela quando ela o abrigou com a mão. E era uma vela esquisita aquela! Pareceu-lhe logo que estava sentada diante de uma grande estufa, de pés e maçanetas de bronze polido. Ardia nela um fogo magnífico, que espalhava suave calor. E a meninazinha ia estendendo os pés enregelados, para aquecê-los, e… tss! Apagou-se o clarão! Sumiu-se a estufa, tão quentinha, e ali ficou ela, no seu canto gelado, com um fósforo apagado na mão. Só via a parede escura e fria.
Riscou outro. Onde batia a luz, a parede tornava-se transparente como um véu, e ela via tudo lá dentro da sala. Estava posta a mesa. Sobre a toalha alvíssima via-se, fumegando entre toda aquela porcelana tão fina, um belo pato assado, recheado de maçãs e ameixas. Mas o melhor de tudo foi que o pato saltou do prato, e, com a faca ainda cravada nas costas, foi indo pelo assoalho direto à menina, que estava com tanta fome, e…
Mas — o que foi aquilo? No mesmo instante acabou-se o fósforo, e ela tornou a ver somente a parede nua e fria na noite escura. Riscou outro fósforo, e àquela luz resplandecente viu-se sentada debaixo de uma linda árvore de Natal! Oh! Era muito maior e mais ricamente decorada do que aquela que vira, naquele mesmo Natal, ao espiar pela porta de vidro da casa do negociante rico. Entre os galhos, milhares de velinhas. Estampas coloridas, como as que via nas vitrinas das lojas, olhavam para ela. A criança estendeu os braços diante de tantos esplendores, e então, então… apagou-se o fósforo. Todas as luzinhas da árvore de Natal foram subindo, subindo, mais alto, cada vez mais alto, e de repente ela viu que eram estrelas, que cintilavam no céu. Mas uma caiu, lá de cima, deixando uma esteira de poeira luminosa no caminho.
— Morreu alguém — disse a criança.
Porque sua avó, a única pessoa que a amara no mundo, e que já estava morta, lhe dizia sempre que, quando uma estrela desce, é que uma alma subiu para o céu.
Agora ela acendeu outro fósforo; e desta vez foi a avó quem lhe apareceu, a sua boa avó, sorridente e luminosa, no esplendor da luz.
— Vovó! — gritou a pobre menina. Leva-me contigo… Já sei que, quando o fósforo se apagar, tu vais desaparecer, como sumiram a estufa quente, o pato assado e a linda árvore de Natal!
E a coitadinha pôs-se a riscar na parede todos os fósforos da caixa, para que a avó não se desvanecesse. E eles ardiam com tamanho brilho, que parecia dia, e nunca ela vira a vovó tão grandiosa, nem tão bela! E ela tomou a neta nos braços, e voaram ambas, em um halo de luz e de alegria, mais alto, e mais alto, e mais longe… longe da Terra, para um lugar, lá em cima, onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo, porque elas estavam, agora, no céu com Deus.
A luz fria da madrugada achou a menina sentada no canto, entre as casas, com as faces coradas e um sorriso de felicidade. Morta. Morta de frio, na noite de Natal.
A luz do Natal iluminou o pequenino corpo, ainda sentado no canto, com a mãozinha cheia de fósforos queimados.
— Sem dúvida, ela quis aquecer-se — diziam.
Mas… ninguém soube que lindas visões, que visões maravilhosas lhe povoaram os últimos momentos, nem com que júbilo tinha entrado com a avó nas glórias do Natal no Paraíso.
Hans Christian Andersen

H.P. Lovecraft


O Depoimento de Randolph Carter

REPITO-VOS, CAVALHEIROS, que vosso interrogatório é inútil. Detende-me aqui para sempre, se quiserdes; prendei-me ou executai-me se tendes necessidade de uma vítima para propiciar a ilusão a que chamais justiça. Não posso porém, dizer mais do que já disse. Contei-vos, com toda a sinceridade, tudo de que me lembro. Nada foi distorcido ou escamoteado, e se alguma coisa permanecer vaga, é apenas devido à nuvem escura que caiu sobre meu espírito – essa nuvem e a natureza nebulosa dos horrores que a fizeram abater-se sobre mim.
Digo mais uma vez: não sei do que foi feito de Harley Warren, embora pense – quaserezo para isso – que ele está em oblivio pacífico, se é que existe, em algum lugar, coisa tão bem aventurada. É verdade que por cinco anos fui seu melhor amigo e que, em parte compartilhei de suas terríveis pesquisas sobre o desconhecido. Não negarei, conquanto minha memória esteja insegura e vaga, que essa vossa testemunha nos possa ter visto juntos, na estrada de Gainsville, caminhando na direção do Pântano do Cipreste Grande às onze e meia daquela noite tenebrosa. Que levávamos lanternas elétricas, pás e um curioso rolo de fio, a que se prendiam certos instrumentos, eu mesmo me disponho a afirmar, pois todas essas coisas desempenharam um papel importante naquela cena hedionda que continua gravada à fogo em minha memória abalada. Mas com relação ao que se seguiu e ao motivo pelo qual fui encontrado sozinho e aturdido na margem do pântano, na manhã seguinte, devo insistir em que nada sei, salvo o que já vos narrei repetidamente. Dizei-me que nada existe no pântano ou em suas proximidades que pudesse constituir o cenário daquele episódio aterrador. Respondo que que eu nada sabia além do que vi. Visão ou pesadelo, pode ter sido – e visão ou pesadelo espero desesperadamente que tenha sido – mas, no entanto, é tudo o quanto minha mente reteu do que ocorreu naquelas horas chocantes depois que saímos da vista dos homens. E por que Harley Warren não voltou, somente ele ou seu espectro – ou alguma coisa inominável que não sei descrever – poderão dizer.
Como já tive ocasião de afirmar, eu conhecia bem, e de certa forma dividia, os estudos fantásticos de Harley Warren. De sua vasta coleção de livros estranhos e raros sobre temas interditos, li todos os escritos nas línguas que domino, contudo esses são poucos em comparação aos escritos em idiomas que desconheço. Na maioria, acredito, são em árabe; e o compêndio de demoníaca inspiração que acarretou a tragédia – o livro que levava no bolso ao abandonar o mundo – estava escrito em caracteres que jamais vi em parte alguma. Warren jamais se dispôs a me dizer o que havia naquele livro. Quanto à natureza de nossos estudos… precisarei repetir ainda uma vez que já não conservo deles plena compreensão? Parece-me até misericordioso que seja assim, pois eram estudos terríveis, que eu levava a cabo mais por relutante fascinação que por inclinação verdadeira. Warren sempre me dominou e às vezes eu o temia. Lembro-me como estremeci ante sua expressão facial na noite anterior ao fato hediondo, enquanto ele falava sem cessar de sua teoria – por que certos cadáveres nunca se decompõem mas permanecem Íntegros em suas tumbas por mil anos. No entanto, já não o temo mais, pois suspeito que ele conheceu horrores além do meu alcance. Agora temo por ele.
Mais uma vez repito: não tenho nenhuma lembrança clara de nosso intuito naquela noite. Decerto teria muito a ver com o livro que Warren levava consigo – aquele livro antigo, num alfabeto indecifrável e que lhe chegara da índia um mês antes – mas juro que não sei o que esperávamos encontrar. Vossa testemunha declara que nos viu às onze e meia na estrada de Gainsville, seguindo na direção do Pântano do Cipreste Grande. É provável que isso seja verdade, mas não me lembro com nitidez. A imagem cauterizada em minha alma é apenas de uma cena, e deve ter sido bem depois da meia noite, pois via-se uma pálida lua crescente no céu vaporoso.
O lugar era um cemitério antigo. Tão antigo que eu me sobressaltava ante os inúmeros indícios de anos imemoriais. Era numa depressão profunda e úmida, coberta de mato alto, musgo e curiosas ervas rasteiras, envolvido por um vago fedorque minha fantasia ociosa associava absurdamente a pedras putrefatas. Por toda a parte havia sinais de abandono e decrepitude e eu parecia perseguido pela idéia de Warren: nós éramos as primeiras criaturas vivas a invadir um silêncio letal de séculos. Sobre a borda do vale, uma lua crescente, lânguida e enlanguescente, espreitava através dos vapores repulsivos que pareciam emanar de catacumbas ignotas, e seus raios débeis e bruxuleantes faziam-me discernir um aglomerado repelente de lápides,  urnas, cenotáfios e mausoléus, todos esboroantes, cobertos de musgo e manchados de umidade, e em parte ocultos pela luxuriância obscena da vegetação insalubre.
A primeira impressão vivida que tenho de minha própria presença nessa necrópole terrível refere-se ao ato de deter-me com Warren diante de um certo sepulcro semi obliterado e de arrojar em seu interior certos fardos que, aparentemente estiváramos carregando. Notei então que trazia comigo uma lanterna elétrica e duas pás, ao passo que meu companheiro portava uma lanterna semelhante e um aparelho telefônico portátil. Não se disse qualquer palavra, pois o local e a missão pareciam-nos conhecidos. E sem delongas tomamos das pás e começamos a afastar as ervas, agrama e a terra da cova rasa e arcaica. Após expormos toda a sua superfície, que consistia em três imensas lages de granito, recuamos alguns passos para examinar o ossuário. Warren parecia estar fazendo alguns cálculos mentais. Depois voltou ao sepulcro e, usando a pá como alavanca, tentou erguer a laje que ficava mais próxima de uma ruína de pedra e que pode ter sido outrora um monumento. Não conseguindo seu intento, fez un gesto para que eu o auxiliasse. Por fim, nossos esforços combinados fizeram com que a pedra se soltasse. Levantamo-la e a arredamos do lugar.
Com a remoção da laje, ficou à vista uma abertura negra, da qual irrompeu um efluxo de gases miasmáticos, tão nauseantes que saltamos para trás, tomados de horror. Após um intervalo, entretanto, aproximamo-nos novamente da cova e achamos as exalações menos intoleráveis. Nossas lanternas revelaram o alto de um lance de degraus, dos quais gotejava um licor repugnante e que eram delimitados por paredes úmidas recobertas de bolor. E agora, pela primeira vez minha memória registra emissão de palavras. Warran falava-me longamente, em sua cálida voz de tenor, uma voz singularmente incólume ao ambiente lúgubre.
“Peço perdão por pedir-te que permaneças na superfície”, disse ele, “mas seria criminoso permitir que alguém de nervos tão frágeis descesse até lá. Não podes imaginar, mesmo pelo que leste e pelo que eu te disse, as coisas que terei de ler e de fazer. Trata-se de um trabalho diabólico, Carter , e duvido que algum homem que não tenha a sensibilidade empedernida pudesse ver aquelas coisas e voltar vivo e são. Não é desejo ofender-te e Deus sabe o quanto eu gostaria de levar-te comigo. Mas de certa forma a responsabilidade é minha e eu não seria capaz de arrastar um feixe de nervos como tu à morte ou à loucura quase certa. Digo-te, não podes imaginar o que seja realmente a coisa! Mas prometomanter-te informadode cada passo meu pelo telefone – vês que disponho de fio suficiente para chegar ao centro da terra e voltar!”
Ainda ressoam em minha memória essas palavras, pronunciadas tranqüilamente. E ainda me recordo de meus protestos. Eu parecia desesperadamente ansioso por acompanhar meu amigo para aquelas profundezas sepulcrais, mas ele se mostrava de uma obtinação inflexível. A certo momento, ameaçou abandonar a expedição caso eu insistisse. A ameaça tinha peso, pois só ele possuía a chave do que procurávamos. De tudo isso ainda me lembro, muito embora já não saiba que espécie de coisa buscávamos. Depois de haver obtido minha relutante aquiescência a seu plano, Warren pegou o rolo de fio e ajustou seus instrumentos. A um gesto seu, peguei um destes e sentei-me numa lápide vetusta e descolorida, junto da abertura recém-exposta. Depois ele apertou-me a mão, sobraçou o rolo de fio e desapareceu naquele indescritível ossuário.
Durante um minuto ainda percebi o brilho da lanterna e escutei o roçagar do fio, enquanto Warren o estendia pelo chão; mas o brilho da luz sumiu repentinamente, como se ele houvesse dobrado uma esquina na escada de pedra e quase ao mesmo tempo o som cessou igualmente. Eu estava só, porém ligado às profundezas desconhecidas por aqueles cordéis mágicos cuja superfície isolada verdejava sobre os raios esforçados do exangue quarto-crescente.
A cada momento eu consultava o relógio, à luz da lanterna elétrica e, tomado de ansiedade febril, procurava ouvir alguma coisa no receptor do telefone. Entretanto, durante mais de um quarto de hora nada ouvi. Então o instrumento emitiu um estalido e eu chamei meu amigo com voz tensa. Por apreensivo que me sentisse, eu não estava preparado entretanto para as palavras que subiram daquela cova hedionda, em tons mais alarmados e hesitantes do que eu já havia escutado de Harley Warren. Ele, que se despedira de mim com tamanha calma havia pouco, agora me chamava lá de baixo num sussurro titubeante, mais pressago que um grito sonoríssimo:
“Meu Deus! Se pudesse ver o que estou vendo!”
Não pude Responder. Mudo, só fiz esperar. Ouvi novamente as palavras agitadas:
Carter, é terrível… monstruoso… inacreditável!”
Dessa vez a voz não me faltou e despejei no aparelho um jorro de indagações excitadas. Aterrorizado, não cessava de repetir:”Warren, o que foi? O que foi?”
Mais uma vez escutei a voz de meu amigo, ainda repassada de medo e agora aparentemente impregnada de desespero:
“Não posso dizer-te, Carter! É demasiado incrível… não ouso contar… nenhum homem poderia saber e sobreviver… Santo Deus! Jamais sonhei com isso!”
Voltou o silêncio, apenas quebrado pela torrente de perguntas sobressaltadas que eu fazia. Ouvi então novamente a voz de Warren, num tom de delirante consternação:
“Carter! Pelo amor de Deus, repõe a Laje no lugar e sai disso se puderes! Deixa tudo mais e corre… é tua última oportunidade! Faz o que eu digo e não peça explicações!”
Eu escutava, mas só conseguia repetir minhas perguntas frenéticas. Em meu redor estavam as tumbas, a escuridão e as sombras; abaixo de mim, algum perigo que sobrepujava o alcance da imaginação humana. Mas meu amigo corria mais perigo que eu e sobre meu medo passou um vago ressentimento de que ele me julgasse capaz de abandoná-lo em tal situação. Novos estalidos e após uma pausa, ouvi o grito angustiado de Carter:
“Te manda! Pelo amor de Deus, põe a laje no lugar e te manda, Carter!”
Alguma coisa na gíria juvenil de meu companheiro, evidentemente transtornado, liberou minhas faculdades. Formei e gritei uma resolução, “Warren, agüenta! Vou descer!” No entanto, diante dessa proposta o tom de meu interlocutor transformou-se num grito de completo desespero:
“Não! Não compreendes! É tarde demais… e por minha própria culpa. Põe a laje no lugar e corre… não há mais nada que tu ou outra pessoa possa fazer!”
Seu tom de voz mudou novamente, adquirindo dessa vez mais suavidade, como que traduzindo resignação sem esperança. Contudo, para mim ele permanecia tenso de ansiedade.
“Depressa… antes que seja tarde demais!”
Tentei não lhe dar ouvidos. Tentei quebrar a paralisia que me detinha e cumprir minhs promessa de descer para ajudá-lo. Seu próximo murmúrio, todavia, ainda me encontrou inerte, preso de puro horror.
“Carter… corre! Não adianta… tens de ir… antes um que dois… a laje…”
Uma pausa, mais estalidos, e depois a voz débil de Warren:
“Quase acabado agora… não dificultes ainda mais… cobre esses degraus malditos e foge para salvar a vida… estás perdendo tempo… adeus, Carter… não voltarei a ver-te.”
Nesse ponto, o murmúrio de Warren converteu-se em grito, um grito que aos poucos se transmudou em uivo, carregado de todo o horror das eras…
“Malditas coisas infernais… legiões… meu Deus! Te manda! Te manda! TE MANDAAAAAÜ!
“Depois disso, caiu o silêncio. Ignoro por quantos éons permaneci sentado ali, estupefato. Sussurrando, murmurando, gritando, berrando naquele telefone. Vezes sem conta, no transcurso daqueles éons, sussurrei, murmurei, chamei, gritei e berrei “Warrren! Warren; Responde… estás aí?
Foi então que sobreveio o cúmulo do horror… a cois ainacreditável, inimaginável, quase impronunciável. Já disse que foi como se passassem éons depois de Warren emitir sua derradeira advertência desesperada, e que apenas meus gritos quebravam agora o silêncio horrífico. Contudo depois de algum tempo houve um novo estalido no telefone e eu apurei os ouvidos. Mais uma vez chamei: “Warren estás aí?, e como resposta ouvi aquilo que lançou essa nuvem sobre minha alma. Não tento, senhores, explicar aquilo… aquela voz… nem posso abalançar-me a descrevê-la em minúcia, uma vez que as palavras iniciais roubaram minha consciência e criaram um vazio mental que se estende ao momento em que despertei no Hospital. Direi que a voz era profunda? Cava? Gelatinosa? Remota? Sobrenatural? Inumana? Desencarnada? Que direi? Ela marcou o fim de minha experiência e é o fim de minha história. Eu a escutei, e de nada mais tomei conhecimento… escutei-a enquanto permanecia sentado, petrificado naquele cemitério desconhecido do vale, em meio às pedras carcomidas e aos túmulos em ruínas, junto à vegetação pútrida e aos vapores miasmáticos… escutei-a subindo das profundezas mais absconsas daquele maldito sepulcro aberto, enquanto assistia à dança de sombras amorfas, necrófagas, à luz mortiça de uma lua exangue.
E o que ela disse foi:
“IDIOTA, WARREN ESTÁ MORTO!”

9 de março de 2011

Apenas Dez Minutos

Meus queridos, Shakespeare dizia que "Há mais mistérios entre o céu e a terra, do que possa supor nossa vã filosofia". Existem forças que atuam ao nosso redor, que, a todo momento interferem diretamente em nossas efemeras existencias, alguns chamam de destino, outros de acaso e há aqueles que acreditam que existem muitas dimensões paralelas, e que todas estão interligadas em uma espécie de malha, e ainda, que tudo o que ocorre em uma afeta proporcionalmente a outra que estiver próxima, criando assim uma cadeia de reações prováveis. Para que você entenda, na nossa dimensão, você lê agora essas linhas,em outra dimensão, você nem sequer tem computador, em outra ainda, é você quem escreve e assim por diante infinitamente. E ainda há o fato de que o que você faz aqui, interfere diretamente lá. Uma explosão nuclear aqui, geraria um desarmamento em massa em uma outra dimensão, isso infinitamente e com infinitas variações.
Acontece que acredito no que vejo, e isso ainda não foi devidamente estudado e provado, ainda gira na esfera das hipóteses. Porém, não posso deixar de observar que certas coisas que acontecem conosco, parecem ser provocadas e, normalmente mudam completamente o curso do que acontece aqui.
O que pretendo contar-lhes, é algo que conteceu nos idos de 1979. Precisamente em Lages, Santa Catarina.
O dia chegou chuvoso e parecia que ia pemanecer assim. Eli acordou atrasado e mal conseguiu comer alguma coisa, quando terminou de abotoar o paletó, já estava no portão de sua casa. Ele tinha uma reunião importante em Blumenau e precisava se apressar pois se perdesse o ônibus das oito horas teria de esperar pelo das dez e meia e chegaria precisamente quando a reunião estivesse acabando, e já eram seis e meia. Uma hora e meia seriam suficientes para chegar na rodoviária a tempo, se não houvessem impecilhos no caminho. Mas a vida é uma caixinha de surpresas, e os impecilhos foram se multiplicando pelo caminho e logo Eli percebeu que iria se atrasar. Sua única saída foi propor ao motorista do táxi pagamento dobrado sobre o taxímetro para que ele acelerasse mais um pouquinho, ou melhor, voasse.
Em pouco tempo avistaram a rodoviária, e o ônibus de Eli estava na plataforma. Só mais um pouquinho e Eli estaria a caminho de sua reunião. Porém ao descer do táxi e correr para pegar suas malas, Eli viu o seu ônibus sair lentamente da plataforma. Correr não iria adiantar, pedir que o carro parasse iria causar transtorno a todos que estavam esperando, qual remédio? Chegaria atrasado, e por causa de dez minutos, o que diria aos outros sócios?
Mas como eu disse, a vida se mostra uma caixa de surpresas, e Eli, ainda com as malas na mão e um aperto no peito, ouviu seu nome ser chamado. Era um amigo de infância, estudaram juntos desde o primário e havia algum tempo não se viam. Seu amigo lhe disse que precisava viajar a negócios para Jaraguá do Sul, mas infelizmente iria ter de adiar a viagem por um dia, mas já estava com a passagem comprada e seu ônibus sairia em cinco minutos. Ele havia visto o que acontecera a Eli e lembrou-lhe que o carro que iria pegar passaria por Blumenau e se Eli quisesse ficar com sua passagem tudo bem, depois acertariam. Eli protestou, mas diante da insistencia de seu amigo, acabou aceitando a proposta e logo estava com suas malas embarcadas e sentado confortavelmente em sua poltrona.
pouco antes de partir porém, o motorista teve de abrir a porta para uma jovem que estava atrasada, o que provocou alguns protestos por parte dos outros passageiros, mas logo todos estavam acomodados e seguindo viagem.
A moça, sentou-se ao lado de Eli, e permaneceu calada enquanto o ônibus saia da cidade.
Logo que o ônibus deixou os limites da cidade, a jovem levantou-se e foi discretamente ao banheiro, voltando logo em seguida. Fora tomar um remédio para enjôo, disse ela, e assim começaram um gostoso papo. A moça contou que estava de viajem para Blumenau para visitar uma tia que estava doente, mas que não tinha muitas esperanças de encontrá-la com vida quando chegasse lá, pois sofria de câncer no fígado e já estava nas últimas. A conversa derivou para assuntos mais amenos, e Eli descobriu que a moça, estudara na mesma escola que ele, e inclusive na mesma classe, porém, ele lhe disse que não lembrava dela, o que achava estranho pois lembrava-se da maioria de seus colegas. Ela lhe disse que sempre fora muito quieta e reservada, devido a sua criação rigorosa, era filha de militares. Logo estavam animados com a conversa e falaram sobre muitas coisas, em Eli, algo lhe dizia que o atraso que o fizera perder o primeiro ônibus, fora a melhor coisa que já lhe acontecera, pois estava encantado com a moça. Ah! Não podemos esquecer do nome dela, Brenda.
Já estavam chegando a Rio do Sul, quando de repente, o transito ficou lento, o que só acontecia em caso de acidente, e pelo tamanho da lentidão, a coisa era grave.
Não esperaram muito para saber do que se tratava, logo puderam ver o acidente, que havia ocorrido a pouco, pois ainda havia gente sendo tirada das ferragens retorcidas de um ônibus que havia despencado na encosta da estrada. para espanto de todos, o carro acidentado era da mesma empresa que aquele em que estavam agora, e para horror de Eli, era o mesmo ônibus que ele havia perdido e que agora estava ali, retorcido e desfigurado. Uma vez mais o transito parou e alguns passageiros desceram para tomar informações sobre o acidente. Logo corria a notícia de que as pessoas que estavam mais próximas do motorista haviam morrido, esmagadas entre os destroços e que o acidente fora provocado por um cavalo que atravessara a pista. Ao que tudo indicava, o motorista perdera o controle do carro e batera no alambrado, despencando para o fundo de uma ribanceira muito comum naquelas paragens, pois ali passa o rio Itajaí.
Eli estava em choque e começou a chorar, dizendo que havia nascido de novo, pois além de estar no ônibus, sua poltrona ficaria logo atrás do motorista, o que teria provocado sua morte instantanea. Alguns passageiros ouviram o que Eli disse e riram, outros ficaram intrigados, mas era de comum consenço qeu o acidente ceifara outras tantas vidas. Quando Eli deu-se conta, uma mão estava sobre a sua, era a de Brenda, e ao olha-la Eli percebeu que ela também havia chorado e estava em choque. Ao tentar acalma-la, ela lhe dise em poucas palavras, que desistira de pegar aquele ônibus na última hora, optando por este em que estavam agora.
Milagre diriam alguns, coincidencia diriam outros, e ainda há aqueles que achariam que tudo não passou de uma estória muito bem elaborada.
A verdade é que Eli e Brenda, não muito tempo depois, casaram-se e constituiram família.
E vou revelar-lhes, essa estória, não é uma alegoria qualquer, é claro que omiti nomes e lugares, mas os fatos falam por si e realmente aconteceu o que vocês acabram de ler.
Porém, algum tempo depois, Eli teve sua vida despedaçada em um certo 11 de setembro, quando Brenda a trabalo nos EUA, chegou adiantada para seu vôo, dez minutos.
Dez minutos. Pode não parcer muito, mas para Eli foi a diferença em sua vida, tanto para a vida como para a morte. Como diria Cazuza: "O tempo não pára!", e se pararmos para pensar , alguns minutinhos fazem uma tremenda diferença.


"Bons Sonhos!"

1 de março de 2011

O CORVO

O CORVO

Em certo dia, à hora, à hora

Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!

Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.

E o rumor triste, vago, brando,

Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e: "Com efeito
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minha alma então sentiu-se forte;

Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,

Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co'a alma incendiada.

Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela e, de repente,

Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,

Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Vendo que o pássaro entendia

A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."

No entanto, o Corvo solitário

Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Estremeço. A resposta ouvida

É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."

Segunda vez, nesse momento,

Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."

Assim, posto, devaneando,

Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,

Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!

Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!

Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Ave ou demônio que negrejas!

Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

E o Corvo aí fica; ei-lo trepado

No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

trad. Machado de Assis - 1883Edgar Allan Poe