AVISO IMPORTANTE!!!

Se você é daquelas pessoas que não suportam lugares fechados e tem medo de escuro, provavelmente vai ter pesadelos.

29 de janeiro de 2010

SOZINHO


SOZINHO
Lages-S.C.-28/07/1998-22:45
Ventava e fazia muito frio já há dois dias, as mais otimistas previsões, diziam que provavelmente iria nevar nos próximos dias, o que era uma notícia ótima para muitas pessoas, porém para um morador da cidade, isso era o prenuncio de um tormento enorme.
O homem morava na rua havia muitos anos, e as pessoas da cidade apenas o conheciam pela alcunha de "mendigo". Ele costumava ficar na porta da igreja aos domingos para arrebanhar uns trocados que, invariavelmente em sua maioria, seriam depositados no caixa de um bar qualquer. Normalmente era comum ve-lo bêbado como um gambá, cambaleando pelas ruas de madrugada quando a maioria das pessoas já estava dormindo a sono solto. Era nessas ocasiões que muitos dos marmanjões da cidade, aproveitavam para fazer com ele brincadeiras de gosto muito duvidoso. Não era raro vê-lo as voltas com os valentões, sofrendo as mais grotescas humilhações. Algumas almas caridosas, preparavam refeições para que ele pudesse comer alguma coisa, alternando dias da semana para cada casa e assim o mendigo tinha sempre uma refeição por dia garantida.
Algumas pessoas mais velhas, contavam que o mendigo havia tido família e que tinha filhos espalhados em pelo menos duas cidades próximas, São Joaquim e Urubici. Contavam ainda que o que havia afastado a família dessa forma, era o vício no álcool, que há anos era seu esporte favorito.
Mas hoje, o mendigo estava em maus lençóis pois o lugar que comumente ele usava para dormir, fora interditado pela prefeitura para reparos, sendo assim,ele tinha de se virar com o que pudesse achar. Ele já havia andado o suficiente na chuva e no frio para que o efeito da bebedeira amainasse, portanto é claro que o frio estava se tornando um incomodo.
Quando ele estava próximo a Praça Jonas Ramos, "Tanque", como é carinhosamente conhecido pela maioria dos moradores, lembrou-se de uma casa abandonada que havia ali perto, e tiritando de frio se dirigiu para lá.
Quando já estava dentro da casa, e começava a preparar uma pequena fogueira para se aquecer, perebeu o cheiro. Um fedor quase imperceptível, mas estava lá, provavelmente ratos mortos em estado de decomposição avançada.
Mas o que mais o incomodava, era uma sensação estranha de perigo, como se algo estivesse por acontecer. Seus pelos eram eriçados por calafrios, mas ele sabia que aquele tipo de calafrio, com certeza, não eram efeito do frio, o que o deixava mais cismado.
Com o passar do tempo e, provavelmente por ele estar ficando sóbrio, o mau cheiro começou a incomodá-lo, o que o fez querer saber de onde vinha. Ele sabia que se dormisse, provavelmente morreria de hipotermia, portanto a idéia de procurar a fonte do odor putrefato, era de certa forma animadora, pois havia um pretexto para manter-se acordado e em movimento até que o dia clareasse. Como ele já havia estado ali em outras ocasiões - na maioria das quais ele acordara no dia seguinte sem saber onde estava - resolveu que iria começar pelo porão, o lugar mais óbvio.
Não era exatamente um porão. A mãe natureza foi generosa com a geografia do lugar, e a casa ficava em um nivel mais baixo que a rua que passava nos fundos, os alicerces eram antigos e escavados no terreno formando um pequeno buraco no que seria a parte de trás da casa e media em relação ao piso da casa, 1,60m. Provavelmente, este espaço teria sido utilizado há alguns anos como depósito ou mesmo dormitório para empregados.
Uma porta que ficava na cozinha, dava acesso àquele pequeno porão, o mendigo a abriu e espiou para dentro, e o que viu nada mais era do que um manto negro e quase palpável de escuridão - óbvio, aquele cômodo era o único que não tinha janelas por estar abaixo do nível do solo e a noite estar escura - ele voltou para a sala e conseguiu, com muito cuidado, fazer uma espécie de archote, com paus e um pouco de tecido que haviam jogados por ali. Agora quando abriu novamente a porta, enxergou claramente os degraus de madeira que conduziam ao subsolo. A primeira coisa que o chamou a atenção foi o odor acre da umidade acumulada em anos de abandono, em seguida, um novo calafrio o percorreu da nuca aos calcanhares como uma onda de pavor. Seus olhos estavam esbugalhados de medo e sua pele estava pegajosa.
Ele já estava praticamente abaixo da cozinha quando sua cabeça se chocou contra uma das vigas do piso. Ele praguejou meia dúzia de impropérios e palvrões, dando uma pancada na viga intrometida. Não encontrou nada de especial e decidiu continuar com sua busca voltando em direção a escada que dava para a cozinha e sala. O que encontrou na sua busca pela cozinha e sala não foi nada de diferente, a não ser uma pilha de madeira e restos de uma lona encardida e esfarrapada que parecia ter sido usada como abrigo por ourtro indigente, decidiu subir para o segundo piso.
Já estava no meio da escada, quando percebeu que o cheiro - aquele maldito cheiro - estava ficando mais forte a medida que ele subia, o que o fez duvidar por um momento se seria ou não prudente subir e realmente saber o que era aquilo - com certeza ele lamentaria amargamente não ter ido embora naquele momento - mas decidiu subir, afinal precisava manter-se em movimento e aquecido. Quando chegou ao segundo piso, o cheiro era quase insuportável e o mendigo agradeceu por não ter podido jantar. Não era difícil saber que o cheiro estava vindo do quarto que dava para os fundos no final do corredor, e ele se dirigiu para lá. Ao chegar diante da porta, outro calafrio o percorreu novamente, mas dessa vez, seus joelhos ficaram como géleia, mas ainda assim, isso não foi o suficiente para fazê-lo desistir. Quando o mendigo abriu a porta, uma lufada daquele cheiro nauseabundo o acertou como um tapa e ele lembrou-se da vez em que vira um corpo boiando na beira do rio, com vermes dançando para lá e para cá.
O que ele viu, a princípio não o chocou tanto quanto o mau cheiro, mas depois de uma reflexão breve, algumas questões o assaltaram. O que ele tinha diante de si eram os corpos de três cães, cães mortos, o que em si, não tinha nada de estranho - mas quem seria imbecil o suficiente para deixar três cadáveres como aqueles em uma casa abandonada?
Ele se aproximou dos cadáveres, mas o que notou de pronto, é que não havia sangue pelo chão, e nem nos cães. Envenenamento - Deus, como conseguem envenenar três cães tão bonitos e saudáveis? - Então lembrou-se de já ter visto aqueles cães em uma casa ali nas redondezas, sim já os havia visto, aliás, um deles já havia lhe dado um belo susto outro dia quando estava a procura de latas de alumínio. O que ele não sabia, era que o imbecil que havia deixado aqueles cães ali, ainda estava na casa e o mendigo logo descobriria isso, da pior forma possível.
Por algum motivo, a imagem daqueles cães mortos e aparentemente sem uma gota de sangue, o fez lembrar-se de certas estórias e filmes que vira enquanto ainda era um cidadão respeitado e pagava seus impostos. A imagem de Boris Karloff, Jack Pallance, Bella Lugosi e outros Dráculas, invadiram sua mente em uma torrente assustadora que o fez tremer, e um novo calafrio o invadiu.
A chuva havia passado e ele estava praticamente seco e o que era melhor, havia esquecido completamente do frio. Não seria uma boa idéia sair dali e procurar um lugar melhor para se abrigar? Afinal alguem podia chegar enquanto ele estivesse ali, a polícia talvez, e encontrar aquela cena macabra no andar superior. O que se seguiria seriam alguns safanões e xingamentos, provavelmente passaria a noite na delegacia. Mas a idéia de sair dali, tornava até a cela da delegacia, um lugar mais aconchegante, e naquele instante o mendigo desejou realmente que a polícia passasse por ali e o levasse embora daquele lugar medonho.
Um som na direção da escada o tirou bruscamente dos seus devaneios, ele não estava mais sozinho, alguem o estava observando e ele podia sentir que realmente algo ou alguem o observava, ele precisava sair dali imediatamente - tarde demais.
Ele quase cambaleou para a escada, e começou a descer aos tropeções quando a manga de seu casaco se enroscou em um prego saliente e o fez cair de mal jeito. Uma onda de dor irrompeu como um choque no seu pulso, seus olhos se encheram de água e sua boca, seca como uma lixa, se abriu para um grito gutural, mas o que saiu foi apenas um guincho agudo e sem força. Colocando-se em uma posição melhor, retirou do prego a manga esfarrapada de seu casaco, sentindo que nada havia no fim de seu braço além de uma massa latejante de dor e ossos desconjuntados.
Aonda de pavor, agora era quase palpável e todo o seu corpo se contorcia em espasmos de medo, a casa parecia se fechar acima de sua cabeça e ele teve a sensação de estar sendo esmagado pelas paredes. Um som de madeira estalando, fez com que sua mente ficasse lúcida e atenta novamente - não, definitivamente ele não estava sozinho - ele olhou em volta e não viu nada além de penumbra, sua única fonte de luz se extinguira quando ele rolou escada abaixo e agora sua pequena fogueira havia se apagado. Ele conseguiu ficar em pé, mas percebeu que também havia batido seu tornozelo, porém nada como ossos fora do lugar e tendões retorcidos. Tentou andar o mais rápido que conseguia para alcançar a porta da frente e ao chegar a ela, percebeu que ela havia sido fechada - ora que lapso, ele mesmo havia fechado a porta por causa do vento - correu para ela e jogou seu corpo contra o batente, girando a maçaneta desesperadamente. Trancada. Não, não podia ser, ele entrara por ali - ou não? Afinal estava bebado quando entrou por ali e o pânico lhe estava pregando peças - decidiu então que iria pelos fundos, e aos trancos atravessou o corredor que levava a cozinha.
Já deviam ser quase 4:00, pensou ele enquanto atravessava o corredor, logo vai amanhecer - vampiros não se dão com a luz do dia, pensou ele recriminando-se em seguida por alimentar o pavor que já se instalara em sua mente - ao atravessar a cozinha, ele percebeu o movimento a sua direita. Estacou e sondou as sombras tentando ver alguma coisa que não fossem dejetos. Algo se moveu a sua esquerda e ele se virou rápido, preparando um golpe com a mão que não estava ferida, mas seu braço foi segurado com firmeza por algo gelado e sem vida.
Agora o pavor tomou conta do mendigo e todos os seus cabelos estavam eriçados, porém o que se seguiu foi rápido demais para que ficasse marcado em sua mente antes da escuridão total. A única coisa que ele viu na escuridão da casa foram um par de olhos, vermelhos como o fogo do inferno e cheios de malícia e ódio, então veio a morte e o levou em seu abraço calido e carinhoso.